segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A revolta dos personagens


Um aspirante a escritor luta para encontrar a ideia para um novo texto, até que a ideia lhe vem, ele escreve o texto, mais uma vez a história termina com um de seus personagens se dando mal, revelando todo o sadismo literário que o embalava. Porém dessa vez, um pouco antes de digitar a última palavra de seu texto, ele ouve uma voz do além:
- Ah para com isso cara! de novo...
O escritor começava a se indagar se estava ficando louco, ele começava a lembrar dos avisos de várias pessoas que lhe avisaram que essa mania de escrever não era coisa de gente certa da cabeça, ele tentou se convencer que a voz era obra da sua imaginação alimentada pelo avançar da noite e voltou a tentar digitar aquela última palavra. De maneira mais enfática a voz voltava:
-Não adianta me ignorar, eu sou parte de você!
O escritor já certo de sua loucura resolveu responder:
-Quem é você?
-Eu sou um de seus personagens, o Astolfo. O negócio é o seguinte, eu estou me comunicando com você porque eu e os outros personagens não estamos satisfeitos com os seus finais, nós sempre nos damos mal! Por que você tem que ser tão cruel?
O escritor não sabia o que responder, na verdade ele não sabia se deveria responder às perguntas daquela alucinação, mas no fundo a sua cabeça de escritor começou a realmente acreditar que estava conversando com um de seus personagens, além disso, ele imaginou que sendo alucinação ou não, seria uma boa ideia  digitar a conversa, se aproveitando para escrever um conto metalinguístico. Ele respondeu assertivamente:
-É o meu estilo, os finais felizes são politicamente corretos e isso não combina com os meus textos.
-HA HA HA, pois é bom você mudar o seu estilo, nós não iremos tolerar esse tratamento desumano!
-Ei peraí, eu sou o dono de vocês, eu criei todos vocês, eu imagino o final da história como bem entender! Além do mais, qual é o problema dos meus finais, vocês se ferram para eu fazer humor ou para levar o leitor a alguma reflexão sobre a vida, vocês são meus mensageiros.
- Esse que é o problema, escritorzinho que começou outro dia e acha que é Deus. Na minha história por exemplo, se você tivesse deixado eu pegar a loira seria bom para mim e para você também, a mulherada gosta de final feliz. A mulher do texto do despertador também não achou legal você ter feito a vida dela voltar à rotina, pura sacanagem. O Adriano nem parou de jogar bola e você já antecipou a morte dele! O Adriano fictício ficou tão deprimido que tá bebendo mais que o de verdade.
-E daí é como eu disse, eu crio vocês. Se não estiverem satisfeitos eu crio outros personagens.
-Não é assim que funciona, aqui no mundo dos personagens da sua cabeça nós podemos nos rebelar e fazer com que as ideias de novos personagens não lhe venham mais. Você notou como ultimamente você não tem conseguido criar personagens com tanta facilidade?
- Notei, mas isso é só uma fase, a inspiração vai voltar.
-Vai nessa...
-Eu vou provar para você que eu é que mando nessa merda!
-Prova então!
-Se eu desligar esse computador e parar de escrever esse texto da revolta dos personagens eu provo que eu estou no controle!
-Ah vai pra
Antes do personagem terminar seu insulto, o escritor puxou a tomada do computador, ele pensou que era melhor aquele texto nunca ser publicado, ele mostrava um escritor acuado pelas suas criações. Assim como Zeus puniu o Titã Prometeu, ele pensaria em uma maneira sádica e cruel para punir seus personagens. Entretanto, o "Zeus" literário não teria vida fácil com esses Titãs, pois descobriu no dia seguinte o texto proibido à mostra em seu blog, o equivalente a uma invasão ao Monte Olimpo.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Negócios, Negócios, amigos à parte (nº2)


George W. Bush contempla uma carabina automática M4A1 em seu rancho no Texas, pensando nos rios de dinheiro que ele havia ganhado dos fabricantes daquela belezinha, graças aos seus grandes esforços de guerra. De repente ele escuta uma voz:
-Georgie como que você está, meu melhor amigo!
-O que isso uma voz do além, quem acredita nesse tipo de coisa são os democratas!
-Sou eu Bush, o cara que alavancou sua carreira política.
-Eu não acredito! Bin Laden, será possível que é você, o que está fazendo aqui?
-A mulecada tá foda, meus mártires de guerra estão cheios de virgens a seu dispor e não querem me emprestar nenhuma. Eu como nunca fiz aquelas coisas diretamente, não ganhei nenhumazinha, então eu pensei em te visitar meu amigão.
-Nossa Bin, que saudade que eu tenho do nosso tempo dividindo os noticiários, minha popularidade lá em cima com as guerras. Aquela ideia sua do 11 de Setembro foi coisa de mestre, eu virei um grande herói, foi bom enquanto durou...
-Sem falar na grana que nós faturamos no mercado de ações naquele ano...
-O problema foi depois, acho que nós viciamos naquele jogo de gato e rato, o exército descobria aonde você estava, eu tentava despistá-los ganhando tempo para você fugir, e ai quando bombardeavamos a caverna você já tinha fugido, e no dia seguinte começava tudo de novo, bons tempos Osaminha...
-Quem não gostou daqueles dias foi o Saddam, eu conversei com ele outro dia e o cara tá puto com você, ele pensou que era da turma!
-O Saddam é um otário, nunca gostei dele, ele era amigo de papai. Quando eu era mais novo ele me trouxe uma AK-47 toda quebrada de presente de aniversário, que falta de consideração, nem para me trazer uma amostra daquela arma química que usou contra os curdos. Eu jurei que teria a minha vingança.
-A deixa pra lá, Georgie, esquece o Saddam, vamos falar de coisa boa, como está essa vida de aposentado texano?
-Uma bosta! Passo os dias aqui no rancho pensando naqueles tempos dourados que eu e você tivemos, minha vida não faz sentido sem você aqui.Culpa daquele democrata safado do Obama, qual é o problema desses democratas? parece que não gostam de guerras! que caras estranhos, não sei qual será o futuro do planeta com esses pacifistas no poder.Que que eu faço Osaminha? não consigo viver sem você do meu lado!
-Eu tenho uma ideia cara, vem pra cá!
-Como assim?
-Aqui nós podemos sentar no sofá e assistir às guerras de todo o planeta com várias câmeras e ângulos,  é um serviço de pay per view que eles tem aqui, O Hitler quando veio pra cá iniciou esse canal de guerras porque ele estava muito entediado, hoje é um sucesso entre os megalomaníacos falecidos. Vai ser como aquele Super Bowl que nós assistimos juntos em 2002.
Bush não hesitou em utilizar em si mesmo todo o poder mortífero da carabina que antes tinha lhe dado tantas alegrias. Porém, em cima da mesa ensanguentada, ao lado de alguns cartuchos calibre 5.56mm, estava um vidro de remédio contra a esquizofrenia que assolava a mente de Bush desde a morte de seu querido amigo.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A Contradição da Lapa



Pitor Vinheiro era um boêmio típico da Lapa nos anos 30, era a época dourada da malandragem carioca. Pitor amava a noite na Lapa com toda a sua magia que fazia as noites serem memoráveis. Para Vinheiro, não havia nada mais especial do que as mulheres da Lapa, principalmente as profissionais, “Profissão mais antiga do mundo com merecimento” pensava o nosso boêmio. Para ele, essas nobres profissionais eram como anjos da noite, anjos decaídos que proporcionavam uma hora que seja de luxúria e prazer aos corpos mais necessitados, e para Vinheiro os Oráculos sexuais erguidos na Lapa providenciavam não só um tratamento terreno, mais principalmente uma cura espiritual para aqueles que não se atraiam muito pelas ditas “mulheres de estirpe” de Botafogo e do Flamengo. Os homens que adentravam a Lapa buscando satisfazer seus impulsos carnais, acabavam se deparando com uma curiosa situação: criavam fortes vínculos emocionais com aquelas mulheres, inclusive por vezes deixando de se entregar ao prazer para passar noites conversando sobre suas frustrações e problemas naquele mundo estranho ao sul do bairro da Glória.
Vinheiro passava por uma grande crise de identidade naquele ano de 1937, após a intentona comunista de 1935, o governo de Getúlio Vargas tinha intensificado a sua repressão sobre os bairros populares como a Lapa, aonde muitos jovens intelectuais comunistas passavam as suas noites a discutir o futuro do Brasil, sem deixar de aproveitar as delícias da Lapa, é claro. Acontece que Pitor Vinheiro era um grande tenente de Plínio Salgado, o líder do integralismo, movimento que tinha como lema o mote “Deus, Patría e Família”, e por isso Vinheiro havia jurado lutar contra os comunistas até a morte se necessário fosse. As dúvidas na cabeça de Vinheiro se avolumavam cada vez mais, além de não poder empreender a caça aos comunistas ordenada por Getúlio e por seu padrinho Plínio Salgado, não podia também revelar a sua identidade noturna. Ao longo do dia, ele participava de manifestações moralistas defendendo a virgindade das moças, e à noite era pura esbórnia na Lapa.
Com o aumento da repressão, Vinheiro começou a perceber que o problema não era ele e sim a sociedade. Em sua cabeça era plenamente possível sintetizar o seu dia e a sua noite, o seu integralismo ferrenho com a sua lugubridade noturna. Para ele, as escapadas noturnas e os encontros de corpo e alma com as moças da Lapa eram fundamentais para que no outro dia ele tivesse o equilíbrio para defender seus ideais. Por mais contraditório que isso possa parecer, para Pitor Vinheiro o alicerce da sociedade brasileira estava em lugares como a Lapa, aonde os homens descarregavam todas as suas frustrações e recarregavam as suas baterias. Para ele, o mote “Deus, Patría e Família” andava lado a lado com as palavras “Vem cá, minha fogosa!”.
O único erro de Vinheiro foi tentar defender essa síntese  em panfletos que resolveu distribuir por toda a Cidade, contra os conselhos de amigos mais próximos, que pensavam que ele tinha ficado completamente maluco. Ele chegou até a pedir uma audiência, negada, com o Presidente Vargas para expor as suas visões políticas que defendiam a valorização da boêmia como sustentáculo da sociedade. Vinheiro não deixava de ter uma dose de razão em seus pleitos, porém a sociedade nunca os aceitaria como válidos e não demorou para os policiais do Estado Novo identificarem nosso integralista de carteirinha como um subversivo comunista. Vinheiro foi preso e passou os anos na cadeia a pensar em como abrir o seu próprio prostíbulo, “já que não me entendem fora da Lapa, o jeito é ficar por lá...”, pensou Pitor Vinheiro com um ar de gênio mal compreendido.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A Segunda Morte



A equipe de reportagem chegava em um bairro humilde do Rio de Janeiro, chegavam mais especificamente à Vila Cruzeiro, com o objetivo de entrevistar um ídolo do passado. A equipe não entendia muito bem o porquê daquela entrevista, afinal de contas nunca tinham ouvido falar daquele jogador, atletas que lhes eram familiares de 30 anos atrás eram o famosíssimo Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho, o já falecido Romário, entre outros. O chefe de redação, para justificar a pauta, simplesmente havia dito a eles que esse era um jogador que ele lembrava da sua infância e que daria uma grande reportagem de capa.
Buscaram dentro das ruelas daquela comunidade o endereço, às vezes perguntavam na rua, ninguém sabia aonde a pessoa procurada morava. Eles já estavam quase desistindo da procura depois de três horas de buscas sem resultado, foi quando resolveram parar em um buteco para ver se o dono sabia aonde encontrar o entrevistado, e lá chegando nem notaram um senhor negro, alto porém um pouco encurvado, a pança de cerveja um pouco para fora da camisa, sentado na única mesa ocupada do bar, o relógio acusava 10 horas da manhã.
Perguntaram ao dono:
- O senhor sabe aonde eu encontro o Senhor Adriano, um que foi jogador de futebol há 30 anos?
- Olha ele ali rapaiz! ele toma cerveja aqui todo dia, é meu freguês nº 1.
Eles olharam para trás e visualizaram o senhor Adriano, que na visão da equipe parecia que não vinha se alimentando muito bem, tirando é claro a cevada diária. Eles se aproximaram cuidadosamente, os olhos de Adriano pareciam brilhar quando ele viu que um deles trazia uma câmera fotográfica:
-Você é o Senhor Adriano que jogou na seleção brasileira nos anos 2000?
Adriano já não estava tão acostumado a ser tratado com essa reverência toda, era um Imperador decaído, porém parece que a presença da equipe de reportagem fez com que a Coroa voltasse à sua cabeça.
- Sou eu mesmo, meu filho, eu quando partia pra cima da zaga e chutava forte com a perna esquerda não tinha goleiro que pegava um chute meu.
A essa altura Adriano se levantava em uma tentativa de demonstrar as suas antigas habilidades futebolísticas, mas os repórteres estavam mais interessados em saber o que interrompeu a sua grande carreira.
-Mas por que você decidiu encerrar a sua carreira aos 30 anos quando ainda tinha idade para demonstrar grande futebol?
Aquela pergunta trouxe Adriano de volta à realidade, o brilho nos seus olhos foi embora, ele agora começava a se lembrar porque ele odiava a imprensa, entretanto ele resolveu ser sincero com um jornalista pela primeira vez na vida, afinal de contas não tinha nada a perder.
- Cara eu morei aqui na Vila Cruzeiro quase toda a minha vida, eu amo isso aqui, aqui eu me sinto em casa e eu amava jogar futebol. Todo o resto eu não gostava: treinos, viagens, concentrações, falar com a imprensa, contratos, publicidade... Eu só queria jogar futebol e curtir com meus amigos aqui da Vila Cruzeiro, então comecei a beber muito para fugir dessa rotina chata de jogador profissional e quando eu comecei a beber muito, meu corpo deixou de ter condições de fazer o que eu mais amava.
Os olhos de Adriano já estavam marejados a essa altura, o repórter engoliu seco e continuou as perguntas:
- E como foi a sua vida nesses 30 anos depois de ter parado de jogar futebol?
Adriano lutava contra a sua vontade de evitar aquela pergunta.
- Aos poucos as pessoas se esquecem de você, o dinheiro vai embora, as festas, as mulheres, mas o pior mesmo é que até hoje eu sonho com os estádios lotados, sonho com o Maracanã lotado e eu correndo para a torcida depois de um gol, isso é o pior, é o que sinto mais falta...
Adriano respirou fundo antes de proferir suas próximas palavras:
- É como se eu tivesse morrido uma vez e ainda tenho que morrer pela segunda vez.
A entrevista seguiu com Adriano sendo realmente sincero em todas as perguntas, o jornalista saiu feliz da vida, certo que ganharia algum prêmio por aquela reportagem e Adriano seguiu para a sua casa já bastante embriagado, uma vez que a cada pergunta do jornalista, ele tinha que tomar um copo de cerveja para falar a verdade.
Ele chegou em casa e alavancado pelas memórias reacesas pela entrevista começou a se imaginar fazendo um gol em pleno Maracanã, a esse ponto ele narrava o próprio gol, porém a emoção foi muito forte, seu coração não aguentou a quase visão que ele teve do Maracanã celebrando seu gol. Faleceu o Imperador, era a sua Segunda Morte...



quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Negócios, Negócios, amigos à parte (nº1)


Nikita Kruschev e John Kennedy conversam ao telefone vermelho:

Nikita: E essa crise dos mísseis, que porra foi essa hein John? quase iniciamos o apocalipse...
John: Porra Niki, eu não entendi você nessa, achei que nós eramos amigos.
Nikita: Foi mal, eu tava meio puto com você depois que você não quis ir no meu churrasco lá em Cuba, se você fosse no churras, o Fidel tava animando até de dar uma esticadinha na festa e terminar lá em Guantanamo.
John: Vocês são foda! eu tenho eleição em breve não posso ser visto andando com vocês, imagina, não seria nada bom para a minha reputação caro Niki.
Nikita: Velho, mas o Che já tá putaço com você porque você não foi no aniversário dele na Bolívia ano passado...
John: isso foi paia mesmo, o Che é meu amigo mas ele é mais bonito do que eu, então quando eu saio na night com ele num sobra nada pro Johnny aqui, a Marylin Monroe já ta querendo que eu apresente o Che pra ela...
Nikita: Mas mudando de assunto, Johnny boy quando você virá me visitar aqui na Rússia?
John: to fora, ai é frio pra caralho!
Nikita: que frio rapaiz, o pessoal do politburo tem uma casa de verão na Crimeia e não sei se você sabe mas as Ucranianas tem uma tara em mostrar os seios em público! Acho que é uma habilidade que elas ainda desenvolverão no futuro, temos que começar a incentiva-las!
John: Não vou! até hoje você não me mandou minha carteirinha de membro honorário do Partido Comunista Soviético, poxa, toda aquela cerimônia secreta e nada da minha carteirinha confidencial...
Nikita: Johnny você é meu amigo, mas você é muito sensível, depois reclama quando eu tento explodir o seu país...
Nikita desliga o telefone vermelho e diz para um subalterno:
-Peça um ataque nuclear a Washington, só assim mesmo para fazer o Johnny passar o Verão conosco na Crimeia...

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O despertador


O despertador tocava “Another day” de Paul McCartney, uma mulher acordava para mais um dia de trabalho, ela levantou, olhou para o sua cama de casal, ela ainda não havia se acostumado a ocupar todo o espaço da cama, ainda lamentando o vazio de um amor que não mais preenchia o outro lado da cama. Sua rotina já era como um relógio suíço, era como se tudo que ela fazia ao longo do dia acontecesse automaticamente, parecia que corpo e mente não estavam em uníssono, e mesmo sua mente era dividida por uma guerra mortal entre sua parte consciente e seu subconsciente. O corpo cuidava de todo o dia se levantar, tomar banho, se vestir, beber muito café e trabalhar, sempre aproveitando os intervalos para ingerir doses cavalares de café, que permitiam a ela seguir em frente naquela eterna repetição. A sua mente, por outro lado, se via totalmente desconectada da realidade, sonhos em plena luz do dia, pensamentos se embaralhavam com ideias e desejos, parecia que tudo a fazia lembrar do seu amor perdido, às vezes ela acordava de seus sonhos e percebia que havia feito relatórios e mais relatórios sem sequer ter percebido que os fazia.
Porém naquele dia, que até então não se diferenciava muito dos 556 dias úteis anteriores, seus colegas que sempre a convidavam para os encontros após o serviço, mas sempre ouvindo o costumeiro “não, eu tenho que organizar algumas coisas lá em casa ou “hoje não dá, têm visitas se hospedando lá em casa”, sempre as mesmas mentiras que faziam-na  se esconder do contato humano, pois naquele dia, talvez por um reflexo involuntário causado pela ingestão excessiva de café, as palavras que saíram de sua boca foram as inacreditáveis: “Vamos sim”. Nem ela entendeu porque concordou em ir naquele happy hour, talvez ela tenha sido influenciada pela leitura de seu  horóscopo um pouco mais cedo, ou o mais provável, talvez o seu subconsciente queria evitar o encontro com o síndico que iria lhe espezinhar falando do condomínio que estava atrasado há alguns meses. “Nessa o meu subconsciente mandou bem”, pensou o seu consciente.
Algumas horas e cervejas mais tarde, o seu semblante já não era mais o mesmo, com certeza naquelas horas a sua carência de sociabilidade tinha sido satisfeita, a própria quebra da rotina mecânica que ela vinha levando tinha mais poder sobre ela do que o álcool em si. Mais horas passaram e a turma terminou a noite em uma boate movimentada, a mulher agora parecia muito mais uma máquina de dança do que aquele artefato de chatice que ela havia sido nos últimos tempos e tamanha destreza na pista de dança não deixaria de atrair os mais variados olhares masculinos. Foi então que o seu olhar embriagado cruzou com outro na mesma situação e pelo poder deste lubrificante social, que é o nosso querido álcool, rapidamente olhar virou conversa, que virou beijos, que em pouco tempo se transformou no preenchimento daquele vazio na sua cama. O sexo, para quem, além de não tê-lo há tanto tempo, vivia uma vida monótona, foi uma descarga de emoções que fez sua mente se unir ao seu corpo, enquanto este se unia ao corpo de seu parceiro. Por um breve momento, o subconsciente e o consciente cessaram as hostilidades em um armistício sexual e trataram de curtir cada qual à sua maneira aquele momento delicioso.
No dia seguinte, ela venceu o despertador por alguns minutos, seu consciente não acreditava que alguém ainda estaria ao seu lado, porém seu subconsciente já imaginava até um relacionamento. A sua mão a tatear procurando o parceiro, tratou de jogar por terra as pretensões do subconsciente, o mesmo vazio de antes lá estava. O despertador tocava “Another day” de Paul McCartney...

Beirando a realidade



Astolfo sonhava um dia conversar com uma mulher cara a cara, ter um encontro de verdade, será que seria pedir demais meu bom Deus, pensava Astolfo. Naquela manha, o nosso herói se encontrava em um cybercafé checando o que havia de novo em seu facebook, não havia muita coisa, pelo menos nada que fosse aproximar nosso querido Astolfo de realizar o seu desejo.
Algum tempo depois, quando Astolfo estava se informando sobre os novíssimos lançamentos da Indústria de jogos, inclusive um jogo incrível que permitia ao jogador encarnar uma pessoa comum que vai a cybercafés para se plugar na Internet, Astolfo teve uma espécie de Epifania, “quem sabe eu não tento entrar num site de relacionamentos para resolver meu problema?” Pesquisou com destreza no google previamente aberto e que pulsava com pesquisas sobre os novos aplicativos que ele precisaria para rodar os seus novos jogos. Entrou no primeiro site que viu na imensa relação que apareceu no seu console, fez um rápido perfil, sendo honesto em alguns pontos em outros nem tanto, como no quesito “Enumere a quantidade de relacionamentos anteriores”, no qual ele teve que indicar o astronômico, porém fantasioso número de três relacionamentos. Nosso galã virtual não nutria a maior das esperanças nessa sua tentativa desesperada de reverter a sua sorte, mas não tinha muito a perder, então enviou o perfil.
Para a sua surpresa, Astolfo foi incomodado bem no meio de uma movimentada sessão de um jogo de tiros online. A mensagem tinha os dizeres: “Seu perfil foi recebido por Megan Vox que deseja iniciar uma conversa com você”. O coração de nosso Don Juan virtual acelerou, suas mãos começaram a suar, porém logo após ele foi tomado de um pessimismo incontrolável, pensando que deveria ser uma mulher das mais feias disponíveis no site, tomado foi ele também de uma espécie de medo do real, “e agora o que eu faço?” pensou ele. A sua sorte estava lançada, então o mínimo que ele poderia fazer era checar a foto e tentar se engajar em papo virtual, já começava a se arrepender de ter saído da sua zona de conforto.
Astolfo entrou na conversa com a mulher, seu coração quase saindo pela boca, o procedimento daquele site ditava que a pessoa deveria entrar na conversa com uma webcam transmitindo a imagem ao vivo, pois quando  Astolfo viu a sua pretendente na Webcam ele não acreditou, ela era uma loira maravilhosa de olhos azuis que ele só via em seriados de TV, já começou a se imaginar como o Leonard de um das suas séries favoritas “The Big Bang Theory”, um cara parecido com ele que conseguiu namorar uma loira maravilhosa, a Penny. Ele até conseguiu demonstrar uma considerável habilidade no papo virtual, por algum motivo parecia que o fato de estar por detrás daquela tela o transformava em um galanteador nato que fazia e acontecia, muitas das coisas ditas por ele não eram verdadeiras, mas a ausência da sua interlocutora no mesmo ambiente que ele lhe dava muita confiança. Foi um verdadeiro conto de fadas cibernético, até que a sua interlocutora falou que teria que ir ao banheiro.
No mesmo instante nosso Astolfo viu uma linda mulher loira se levantar no mesmo cybercafé que ele estava. Como um raio, a conclusão atingiu o centro do seu cérebro, é ela! Rapidamente aquele ar de altivez e confiança se esvaiu, a sudorese voltou, seu coração agora parecia bater em uma arritmia louca, Astolfo sequer hesitou, pegou seu computador, deixou uma nota de 50 reais com a garçonete sem sequer exigir o troco e saiu correndo pela porta do estabelecimento. Saiu resmungando, reclamando da realidade, que era para ele incontrolável e não lhe fazia bem. A realidade é muito tangível, pensou Astolfo...


Tiago Guerra Oliveira