segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A Contradição da Lapa



Pitor Vinheiro era um boêmio típico da Lapa nos anos 30, era a época dourada da malandragem carioca. Pitor amava a noite na Lapa com toda a sua magia que fazia as noites serem memoráveis. Para Vinheiro, não havia nada mais especial do que as mulheres da Lapa, principalmente as profissionais, “Profissão mais antiga do mundo com merecimento” pensava o nosso boêmio. Para ele, essas nobres profissionais eram como anjos da noite, anjos decaídos que proporcionavam uma hora que seja de luxúria e prazer aos corpos mais necessitados, e para Vinheiro os Oráculos sexuais erguidos na Lapa providenciavam não só um tratamento terreno, mais principalmente uma cura espiritual para aqueles que não se atraiam muito pelas ditas “mulheres de estirpe” de Botafogo e do Flamengo. Os homens que adentravam a Lapa buscando satisfazer seus impulsos carnais, acabavam se deparando com uma curiosa situação: criavam fortes vínculos emocionais com aquelas mulheres, inclusive por vezes deixando de se entregar ao prazer para passar noites conversando sobre suas frustrações e problemas naquele mundo estranho ao sul do bairro da Glória.
Vinheiro passava por uma grande crise de identidade naquele ano de 1937, após a intentona comunista de 1935, o governo de Getúlio Vargas tinha intensificado a sua repressão sobre os bairros populares como a Lapa, aonde muitos jovens intelectuais comunistas passavam as suas noites a discutir o futuro do Brasil, sem deixar de aproveitar as delícias da Lapa, é claro. Acontece que Pitor Vinheiro era um grande tenente de Plínio Salgado, o líder do integralismo, movimento que tinha como lema o mote “Deus, Patría e Família”, e por isso Vinheiro havia jurado lutar contra os comunistas até a morte se necessário fosse. As dúvidas na cabeça de Vinheiro se avolumavam cada vez mais, além de não poder empreender a caça aos comunistas ordenada por Getúlio e por seu padrinho Plínio Salgado, não podia também revelar a sua identidade noturna. Ao longo do dia, ele participava de manifestações moralistas defendendo a virgindade das moças, e à noite era pura esbórnia na Lapa.
Com o aumento da repressão, Vinheiro começou a perceber que o problema não era ele e sim a sociedade. Em sua cabeça era plenamente possível sintetizar o seu dia e a sua noite, o seu integralismo ferrenho com a sua lugubridade noturna. Para ele, as escapadas noturnas e os encontros de corpo e alma com as moças da Lapa eram fundamentais para que no outro dia ele tivesse o equilíbrio para defender seus ideais. Por mais contraditório que isso possa parecer, para Pitor Vinheiro o alicerce da sociedade brasileira estava em lugares como a Lapa, aonde os homens descarregavam todas as suas frustrações e recarregavam as suas baterias. Para ele, o mote “Deus, Patría e Família” andava lado a lado com as palavras “Vem cá, minha fogosa!”.
O único erro de Vinheiro foi tentar defender essa síntese  em panfletos que resolveu distribuir por toda a Cidade, contra os conselhos de amigos mais próximos, que pensavam que ele tinha ficado completamente maluco. Ele chegou até a pedir uma audiência, negada, com o Presidente Vargas para expor as suas visões políticas que defendiam a valorização da boêmia como sustentáculo da sociedade. Vinheiro não deixava de ter uma dose de razão em seus pleitos, porém a sociedade nunca os aceitaria como válidos e não demorou para os policiais do Estado Novo identificarem nosso integralista de carteirinha como um subversivo comunista. Vinheiro foi preso e passou os anos na cadeia a pensar em como abrir o seu próprio prostíbulo, “já que não me entendem fora da Lapa, o jeito é ficar por lá...”, pensou Pitor Vinheiro com um ar de gênio mal compreendido.

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