Pitor Vinheiro era um boêmio
típico da Lapa nos anos 30, era a época dourada da malandragem carioca. Pitor
amava a noite na Lapa com toda a sua magia que fazia as noites serem
memoráveis. Para Vinheiro, não havia nada mais especial do que as mulheres da
Lapa, principalmente as profissionais, “Profissão mais antiga do mundo com
merecimento” pensava o nosso boêmio. Para ele, essas nobres profissionais eram
como anjos da noite, anjos decaídos que proporcionavam uma hora que seja de
luxúria e prazer aos corpos mais necessitados, e para Vinheiro os Oráculos
sexuais erguidos na Lapa providenciavam não só um tratamento terreno, mais
principalmente uma cura espiritual para aqueles que não se atraiam muito pelas
ditas “mulheres de estirpe” de Botafogo e do Flamengo. Os homens que adentravam
a Lapa buscando satisfazer seus impulsos carnais, acabavam se deparando com uma
curiosa situação: criavam fortes vínculos emocionais com aquelas mulheres,
inclusive por vezes deixando de se entregar ao prazer para passar noites conversando
sobre suas frustrações e problemas naquele mundo estranho ao sul do bairro da
Glória.
Vinheiro passava por uma grande
crise de identidade naquele ano de 1937, após a intentona comunista de 1935, o
governo de Getúlio Vargas tinha intensificado a sua repressão sobre os bairros
populares como a Lapa, aonde muitos jovens intelectuais comunistas passavam as
suas noites a discutir o futuro do Brasil, sem deixar de aproveitar as delícias
da Lapa, é claro. Acontece que Pitor Vinheiro era um grande tenente de Plínio
Salgado, o líder do integralismo, movimento que tinha como lema o mote “Deus,
Patría e Família”, e por isso Vinheiro havia jurado lutar contra os comunistas
até a morte se necessário fosse. As dúvidas na cabeça de Vinheiro se avolumavam
cada vez mais, além de não poder empreender a caça aos comunistas ordenada por
Getúlio e por seu padrinho Plínio Salgado, não podia também revelar a sua
identidade noturna. Ao longo do dia, ele participava de manifestações
moralistas defendendo a virgindade das moças, e à noite era pura esbórnia na
Lapa.
Com o aumento da repressão,
Vinheiro começou a perceber que o problema não era ele e sim a sociedade. Em
sua cabeça era plenamente possível sintetizar o seu dia e a sua noite, o seu
integralismo ferrenho com a sua lugubridade noturna. Para ele, as escapadas
noturnas e os encontros de corpo e alma com as moças da Lapa eram fundamentais
para que no outro dia ele tivesse o equilíbrio para defender seus ideais. Por
mais contraditório que isso possa parecer, para Pitor Vinheiro o alicerce da
sociedade brasileira estava em lugares como a Lapa, aonde os homens
descarregavam todas as suas frustrações e recarregavam as suas baterias. Para
ele, o mote “Deus, Patría e Família” andava lado a lado com as palavras “Vem
cá, minha fogosa!”.
O único erro de Vinheiro foi
tentar defender essa síntese em
panfletos que resolveu distribuir por toda a Cidade, contra os conselhos de
amigos mais próximos, que pensavam que ele tinha ficado completamente maluco.
Ele chegou até a pedir uma audiência, negada, com o Presidente Vargas para
expor as suas visões políticas que defendiam a valorização da boêmia como
sustentáculo da sociedade. Vinheiro não deixava de ter uma dose de razão em
seus pleitos, porém a sociedade nunca os aceitaria como válidos e não demorou
para os policiais do Estado Novo identificarem nosso integralista de
carteirinha como um subversivo comunista. Vinheiro foi preso e passou os anos
na cadeia a pensar em como abrir o seu próprio prostíbulo, “já que não me
entendem fora da Lapa, o jeito é ficar por lá...”, pensou Pitor Vinheiro com um
ar de gênio mal compreendido.
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