sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A Segunda Morte



A equipe de reportagem chegava em um bairro humilde do Rio de Janeiro, chegavam mais especificamente à Vila Cruzeiro, com o objetivo de entrevistar um ídolo do passado. A equipe não entendia muito bem o porquê daquela entrevista, afinal de contas nunca tinham ouvido falar daquele jogador, atletas que lhes eram familiares de 30 anos atrás eram o famosíssimo Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho, o já falecido Romário, entre outros. O chefe de redação, para justificar a pauta, simplesmente havia dito a eles que esse era um jogador que ele lembrava da sua infância e que daria uma grande reportagem de capa.
Buscaram dentro das ruelas daquela comunidade o endereço, às vezes perguntavam na rua, ninguém sabia aonde a pessoa procurada morava. Eles já estavam quase desistindo da procura depois de três horas de buscas sem resultado, foi quando resolveram parar em um buteco para ver se o dono sabia aonde encontrar o entrevistado, e lá chegando nem notaram um senhor negro, alto porém um pouco encurvado, a pança de cerveja um pouco para fora da camisa, sentado na única mesa ocupada do bar, o relógio acusava 10 horas da manhã.
Perguntaram ao dono:
- O senhor sabe aonde eu encontro o Senhor Adriano, um que foi jogador de futebol há 30 anos?
- Olha ele ali rapaiz! ele toma cerveja aqui todo dia, é meu freguês nº 1.
Eles olharam para trás e visualizaram o senhor Adriano, que na visão da equipe parecia que não vinha se alimentando muito bem, tirando é claro a cevada diária. Eles se aproximaram cuidadosamente, os olhos de Adriano pareciam brilhar quando ele viu que um deles trazia uma câmera fotográfica:
-Você é o Senhor Adriano que jogou na seleção brasileira nos anos 2000?
Adriano já não estava tão acostumado a ser tratado com essa reverência toda, era um Imperador decaído, porém parece que a presença da equipe de reportagem fez com que a Coroa voltasse à sua cabeça.
- Sou eu mesmo, meu filho, eu quando partia pra cima da zaga e chutava forte com a perna esquerda não tinha goleiro que pegava um chute meu.
A essa altura Adriano se levantava em uma tentativa de demonstrar as suas antigas habilidades futebolísticas, mas os repórteres estavam mais interessados em saber o que interrompeu a sua grande carreira.
-Mas por que você decidiu encerrar a sua carreira aos 30 anos quando ainda tinha idade para demonstrar grande futebol?
Aquela pergunta trouxe Adriano de volta à realidade, o brilho nos seus olhos foi embora, ele agora começava a se lembrar porque ele odiava a imprensa, entretanto ele resolveu ser sincero com um jornalista pela primeira vez na vida, afinal de contas não tinha nada a perder.
- Cara eu morei aqui na Vila Cruzeiro quase toda a minha vida, eu amo isso aqui, aqui eu me sinto em casa e eu amava jogar futebol. Todo o resto eu não gostava: treinos, viagens, concentrações, falar com a imprensa, contratos, publicidade... Eu só queria jogar futebol e curtir com meus amigos aqui da Vila Cruzeiro, então comecei a beber muito para fugir dessa rotina chata de jogador profissional e quando eu comecei a beber muito, meu corpo deixou de ter condições de fazer o que eu mais amava.
Os olhos de Adriano já estavam marejados a essa altura, o repórter engoliu seco e continuou as perguntas:
- E como foi a sua vida nesses 30 anos depois de ter parado de jogar futebol?
Adriano lutava contra a sua vontade de evitar aquela pergunta.
- Aos poucos as pessoas se esquecem de você, o dinheiro vai embora, as festas, as mulheres, mas o pior mesmo é que até hoje eu sonho com os estádios lotados, sonho com o Maracanã lotado e eu correndo para a torcida depois de um gol, isso é o pior, é o que sinto mais falta...
Adriano respirou fundo antes de proferir suas próximas palavras:
- É como se eu tivesse morrido uma vez e ainda tenho que morrer pela segunda vez.
A entrevista seguiu com Adriano sendo realmente sincero em todas as perguntas, o jornalista saiu feliz da vida, certo que ganharia algum prêmio por aquela reportagem e Adriano seguiu para a sua casa já bastante embriagado, uma vez que a cada pergunta do jornalista, ele tinha que tomar um copo de cerveja para falar a verdade.
Ele chegou em casa e alavancado pelas memórias reacesas pela entrevista começou a se imaginar fazendo um gol em pleno Maracanã, a esse ponto ele narrava o próprio gol, porém a emoção foi muito forte, seu coração não aguentou a quase visão que ele teve do Maracanã celebrando seu gol. Faleceu o Imperador, era a sua Segunda Morte...



3 comentários:

  1. A gente sempre espera que o que é espetacular perdure. A explosão de energia e entusiasmo... O auge.
    De fato, a 1ª morte não precisava ser tão precoce...

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  2. é verdade Carol, ele se perdeu no caminho do estrelato. O curioso é que poucos dias depois de escrever este texto eu me deparei com esse:http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/07/primeira-morte.html
    que se chama "a primeira morte" e realmente é um dos textos que mais me fez pensar ultimamente, é como um grande amigo me disse: "Um soco no estômago esse texto", faz vc repensar muita coisa

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    1. É, da uma "sacudida"... Temos muito a desaprender pra renascer várias vezes...

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