O despertador tocava “Another day” de
Paul McCartney, uma mulher acordava para mais um dia de trabalho, ela levantou,
olhou para o sua cama de casal, ela ainda não havia se acostumado a ocupar todo
o espaço da cama, ainda lamentando o vazio de um amor que não mais preenchia o
outro lado da cama. Sua rotina já era como um relógio suíço, era como se tudo
que ela fazia ao longo do dia acontecesse automaticamente, parecia que corpo e
mente não estavam em uníssono, e mesmo sua mente era dividida por uma guerra
mortal entre sua parte consciente e seu subconsciente. O corpo cuidava de todo
o dia se levantar, tomar banho, se vestir, beber muito café e trabalhar, sempre
aproveitando os intervalos para ingerir doses cavalares de café, que permitiam
a ela seguir em frente naquela eterna repetição. A sua mente, por outro lado,
se via totalmente desconectada da realidade, sonhos em plena luz do dia,
pensamentos se embaralhavam com ideias e desejos, parecia que tudo a fazia
lembrar do seu amor perdido, às vezes ela acordava de seus sonhos e percebia
que havia feito relatórios e mais relatórios sem sequer ter percebido que os
fazia.
Porém naquele dia, que até então não
se diferenciava muito dos 556 dias úteis anteriores, seus colegas que sempre a
convidavam para os encontros após o serviço, mas sempre ouvindo o costumeiro
“não, eu tenho que organizar algumas coisas lá em casa ou “hoje não dá, têm
visitas se hospedando lá em casa”, sempre as mesmas mentiras que faziam-na se esconder do contato humano, pois naquele
dia, talvez por um reflexo involuntário causado pela ingestão excessiva de
café, as palavras que saíram de sua boca foram as inacreditáveis: “Vamos sim”.
Nem ela entendeu porque concordou em ir naquele happy hour, talvez ela tenha
sido influenciada pela leitura de seu
horóscopo um pouco mais cedo, ou o mais provável, talvez o seu
subconsciente queria evitar o encontro com o síndico que iria lhe espezinhar
falando do condomínio que estava atrasado há alguns meses. “Nessa o meu
subconsciente mandou bem”, pensou o seu consciente.
Algumas horas e cervejas mais tarde, o
seu semblante já não era mais o mesmo, com certeza naquelas horas a sua
carência de sociabilidade tinha sido satisfeita, a própria quebra da rotina
mecânica que ela vinha levando tinha mais poder sobre ela do que o álcool em
si. Mais horas passaram e a turma terminou a noite em uma boate movimentada, a
mulher agora parecia muito mais uma máquina de dança do que aquele artefato de
chatice que ela havia sido nos últimos tempos e tamanha destreza na pista de
dança não deixaria de atrair os mais variados olhares masculinos. Foi então que
o seu olhar embriagado cruzou com outro na mesma situação e pelo poder deste
lubrificante social, que é o nosso querido álcool, rapidamente olhar virou
conversa, que virou beijos, que em pouco tempo se transformou no preenchimento
daquele vazio na sua cama. O sexo, para quem, além de não tê-lo há tanto tempo,
vivia uma vida monótona, foi uma descarga de emoções que fez sua mente se unir
ao seu corpo, enquanto este se unia ao corpo de seu parceiro. Por um breve
momento, o subconsciente e o consciente cessaram as hostilidades em um
armistício sexual e trataram de curtir cada qual à sua maneira aquele momento
delicioso.
No dia seguinte, ela venceu o
despertador por alguns minutos, seu consciente não acreditava que alguém ainda
estaria ao seu lado, porém seu subconsciente já imaginava até um
relacionamento. A sua mão a tatear procurando o parceiro, tratou de jogar por
terra as pretensões do subconsciente, o mesmo vazio de antes lá estava. O
despertador tocava “Another day” de Paul McCartney...
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